Não são poucas as notícias sobre tokenização imobiliária, isto é, a representação digital de ativos imobiliários em blockchain, uma tecnologia que confere confiabilidade, auditabilidade e imutabilidade. Porém, é importante destacar como transformar a tecnologia em uma prática concreta.
De início, deve-se fazer uma distinção entre os tokens que representam unidades imobiliárias, ou suas frações, e aqueles que que não representem o ativo imobiliário em si, mas confiram benefícios aos membros do ecossistema. Por exemplo: um condomínio pode estabelecer que os condôminos que praticarem ações sustentáveis de interesse coletivo receberão tokens que poderão ser convertidos em descontos na locação da churrasqueira ou conferir outros benefícios no condomínio. Esses são tokens de utilidade.
Porém, os benefícios da tokenização imobiliária costumam estar associados ao fracionamento de unidades imobiliárias, permitindo que se reduza o ticket de aquisição do bem, isto é, fazendo com que pessoas invistam ou se tornem proprietárias de imóveis (ou suas frações) sem precisar pagar integralmente pelo bem.
Para ilustrar, podemos pensar em tokenizar um apartamento que está alugado por R$ 10.000,00/mês, em 100 tokens. Assim, quem adquirir 10 tokens receberá 10% dos rendimentos mensais, tudo isso apoiado em uma tecnologia auditável, com risco de fraude extremamente baixo e que permite automação dos repasses.
Logo, com a redução do ticket de entrada, aumenta-se a abrangência dos possíveis investidores. Acontece que tal modelo pode atrair a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por se considerar os tokens como valores mobiliários. Hoje, existem dois caminhos para fazer uma emissão de tokens em conformidade com as regras da CVM: (i) pela securitização, modelo tradicional e oneroso, que demanda a contratação de custodiante, escriturador, auditor independente e agente fiduciário, além de diversas outras obrigações; (ii) via plataforma de crowdfunding, onde poderão ser captados até R$ 15 milhões por projeto, o que deve ser alcançado em até 180 dias, além de existirem outras limitações.
A CVM já sinalizou que pretende atualizar as regras do crowdfunding para atender melhor os projetos de tokenização mas, por mais que esteja desde 2021 monitorando esse mercado através do sandbox regulatório, ainda não promoveu ações concretas para regular de forma mais adequada esse modelo de negócios.
Para não se submeter ao regime regulatório da CVM, não pode haver uma oferta pública que configure investimento coletivo e que ofereça ao detentor do token direito de participação, parceria ou remuneração, decorrente do esforço do emissor ou de terceiro. Em outras palavras, emitir tokens representativos de frações para alcançar um pool de investidores de varejo, interessados em dividir os rendimentos do imóvel, pode demandar uma robusta conformidade regulatória perante a CVM.
Por mais que a regulação ainda não seja adequada, a presença de tokens no mercado imobiliário parece ser inevitável, sendo observada não só pela CVM, mas também por outras autoridades e pelo Poder Legislativo.
De todo modo, o modelo regulatório atual permite que alguns projetos de tokenização imobiliária sejam bem sucedidos, devendo haver uma verificação prévia se o enquadramento do projeto se dá nos modelos regulados pela CVM ou se trata-se de uma hipótese de exceção que não se submete à CVM e, portanto, será menos onerosa de implementar.
Diante disso, a busca pelo equilíbrio entre empreendedorismo inovador e segurança jurídica demanda uma análise minuciosa do modelo de negócios e da concepção do projeto de tokenização, de modo a estruturá-lo de forma que seja atrativo ao mercado e não onere demasiadamente os empreendedores.