Na última quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o caso Aída Curi (RE 1.010.606) e fixou a muito esperada tese de repercussão geral sobre direito ao esquecimento. Cabe, no entanto, avaliar as implicações desta decisão e identificar os limites de sua aplicação.

A tese fixada apresenta a seguinte redação:

“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.

Importante destacar que, apesar da aprovação da tese por 9 x 1, alguns ministros como Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Edson Fachin manifestaram entendimento acerca da possibilidade de existência de um constitucional direito ao esquecimento a ser apurado em casos concretos, o que indica que a matéria está longe de ser definitivamente pacificada.

De todo modo, a partir de agora prevalecerá o entendimento de que o direito ao esquecimento não é comportado em nosso ordenamento jurídico até que haja a promulgação de uma nova Constituição Federal ou seja a tese superada através de overruling (quando a transformação humana e jurídica demandar a adequação das regras de realização do bem-estar social) ou delimitada via overriding (pela especificação de diretrizes de aplicação do precedente).

A primeira análise importante refere-se à definição do direito ao esquecimento que, nas palavras do STF, compreende “o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos […]”. Logo, vislumbra-se que a preservação da memória coletiva prevalece sobre o interesse particular.

No entanto, os meios pelos quais haverá a exposição dos fatos é o ponto de interesse crucial para se determinar as extensões da decisão.

Um notório caso que costuma ser levantado como contraponto ao entendimento esposado pelo STF é do Google Espanha SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos e Mario Costeja González, julgado pelo Tribunal de Justiça Europeu em 2014. Contudo, trata-se de uma falsa equivalência.

No caso europeu, Mario Costeja González levou à Autoridade de Proteção de Dados Pessoais Espanhola sua insurgência contra a listagem de resultados na página do Google de notícias de 16 anos antes, vinculadas à designação do leilão de seu apartamento por dívidas previdenciárias, que foram quitadas sem que o imóvel precisasse ser leiloado.

A distinção revela-se em razão de ter-se um lado um direito ao esquecimento e de outro um direito à desindexação. A confusão tem uma de suas origens no fato da General Data Protection Regulation (GDPR) ter nomeado um capítulo como Right to be forgotten (direito de ser esquecido), cujo artigo 17 insculpe normas jurídicas equivalentes à do artigo 6º da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu, citado em tal julgamento, o qual, inclusive, atribuiu ao “direito de ser esquecido” a qualidade de gênero, do qual a desindexação é espécie.

Referido artigo dispõe que os dados deverão ser conservados pelo prazo em que necessários às finalidades para as quais foram recolhidos, sendo que o argumento que prevaleceu no julgamento do Mario Costeja González foi de que a desindexação era devida em razão da sensibilidade das informações, bem como pelo decurso do prazo de 16 anos das notícias e ausência de manutenção do interesse público,.

Ao contrário da Corte Europeia, o STF não considerou a desindexação como parte integrante do direito de ser esquecido, até por não haver tal discussão no processo, mas justamente por isso, abre-se a possibilidade de defender a exclusão de determinados resultados de sites de buscas.

Há, portanto, visível distinção entre eliminar uma informação acerca de um fato verídico publicizado e desindexar estas notícias dos veículos de buscas, quando o prejuízo ao interessado for maior que o interesse público.

Neste caso, aquele que procurar a informação a respeito de determinado fato nos veículos adequados, como o Diário Oficial, encontrará a informação perseguida, sem que tais resultados sejam escancarados ao se buscar o nome de um indivíduo envolvido no fato através de buscadores como Google ou Bing, nas hipóteses em que os direitos individuais sobrepujarem os interesses coletivos.

Com efeito, busca-se um equilíbrio entre a livre manifestação de pensamento e a intimidade, através do controle da exposição da apuração dos fatos, nos casos em que houver razoável perecimento do interesse público em fato que atinge direitos da personalidade de um indivíduo.

A jurisprudência pátria adota entendimento acerca da possibilidade de desindexação de parâmetros de pesquisa em casos pontuais, onde os prejuízos à dignidade do indivíduo são causados pela exposição de fatos que cujo interesse público já desvaneceu.

Neste sentido, vale destacar os recentes julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios[1] e Tribunal de Justiça de Goiás[2] sobre a possibilidade de desindexação, apesar de manifestações do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não prevê um direito de ser esquecido, como a GDPR, mas elenca princípios como da necessidade e finalidade que, aliados a garantias fundamentais insculpidas na Constituição Federal e disposições do Marco Civil da Internet, viabilizam a defesa do direito de desindexação, quando os resultados dos veículos de buscas infringirem direitos à personalidade sem que haja interesse público expressivo na publicização dos fatos.

Conclui-se que apesar da fixação de tese vinculante pelo STF, ainda existe abertura para debates sobre a matéria, que permanecerá em pauta pelos próximos anos, na academia e no Judiciário, inclusive, no que se refere ao alcance territorial da desindexação.


Guilherme Belmudes, advogado e sócio na Alves Oliveira e Duccini Sociedade de Advogados