O metaverso é um ambiente virtual que reúne avatares, isto é, representações digitais dos usuários, conectados simultaneamente, acessados por dispositivos tecnológicos, visando à interação social dos participantes.
Apesar de não ser uma novidade, o avanço da tecnologia dos dispositivos de realidade virtual, aliado à explosão desses ambientes virtuais, que podem, ou não, ser baseados em blockchain popularizou o termo metaverso. O fato do Facebook, atual Meta, ter promovido o Horizon Worlds, seu ambiente virtual, fez com que esse alcance fosse ainda maior.
No entanto, alcançando-se o ponto de interesse sem maiores contextualizações, surge-se a questão: que regras regem as relações dentro do metaverso? A melhor forma de respondermos a esta questão é trazendo exemplos ilustrativos para o ambiente virtual. Neste artigo trataremos uma hipótese que nos levará aos próximos questionamentos.
Pouco tempo após a popularização do tema, foi noticiado que uma usuária do Horizon Worlds havia sido assediada (na definição popular do termo) dentro da plataforma. Tal acontecimento iluminou o debate sobre a possibilidade de cometimento de crimes dentro do metaverso.
Tal ocorrência, a princípio, teria maior proximidade com o crime de importunação sexual, tipificado no artigo 215-A, do Código Penal, que prevê a seguinte conduta: “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
A primeira reflexão a ser feita é a seguinte: quem sofreu a ação, a usuária ou sua avatar? Este não foi o primeiro caso deste tipo de conduta em ambientes virtuais e já fez com que juristas, como Jesse Fox, professor associado da Ohio State University defendesse que tais atos libidinosos não precisam ser necessariamente físicos, “podendo ser verbal, e sim, pode ser uma experiência virtual, também” (em tradução livre).
Destaca-se que os usuários do metaverso costumam utilizar dispositivos de realidade virtual que, apesar de (ainda) não reproduzirem fisicamente as sensações virtuais, foram concebidos para reproduzir as sensações de estar em outro ambiente, podendo disparar sensações semelhantes ao ambiente real, com respostas fisiológicas equivalentes, segundo Katherine Cross, pesquisadora da University of Washington.
Mas mesmo que pudéssemos tipificar a conduta, precisaríamos identificar o local em que o crime foi cometido para encontrarmos o foro competente para processar a denúncia.
O STJ, ao julgar o Conflito de Competência nº 97201, apresentou entendimento de que, tratando-se de crime realizado através da internet, o foro competente seria aquele do local de onde partiu-se a ofensa. Ocorre que este caso tratava de um crime de calúnia decorrente de uma postagem em um blog. No caso, foi decidido como foro competente aquele onde o site estava hospedado.
Mas no exemplo citado anteriormente, podemos ter o agressor situado em um local e o ambiente (metaverso) hospedado em outra jurisdição. Mas seguindo tal entendimento, e em consonância com o artigo 6º, do Código Penal, que dispõe que “local do crime é aquele em que se realizou qualquer dos atos que compõem o iter criminis” pode-se entender que o foro competente seria aquele em que hospedado o metaverso.
Tratando-se de crime praticado fora do território brasileiro, o artigo 88, do Código de Processo Penal atrairia a competência para o juízo da Capital da República, caso o acusado nunca tenha residido em solo nacional.
Acontece que os metaversos podem ser hospedados em blockchains descentralizadas, ou seja, estão hospedados em múltiplos lugares e ao mesmo tempo em nenhum. Igualmente, nestes ambientes, a identificação dos usuários pode ser tecnicamente desafiadora, quando possível, prejudicando-se as chances de uma exitosa persecução penal.
Portanto, vemos nos desenvolvedores do metaverso os reguladores das interações sociais. A Horizon Worlds possui um Código de Conduta que veda a prática de atos libidinosos, bullying, atos discriminatórios, entre outros, podendo suspender, ou mesmo permanentemente, desabilitar a conta do usuário.
Tal prerrogativa assemelha-se à autonomia concedida às redes sociais no que tange à moderação de conteúdo, que encontrou respaldo pelos juristas após a promulgação da, já sem efeito, MP 1.068/21, que retirava das plataformas a prerrogativa de moderar conteúdo com base em suas políticas de comunidade, limitando a atuação às previsões legais.
No entanto, é importante destacar que, uma vez que as ações praticadas no metaverso possuem impactos na vida real, o debate ainda deve se estender muito, como nos casos de contratação de funcionários para lojas virtuais. Aplica-se a legislação trabalhista, se presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego?
Nesta hipótese, é otimista imaginar que com a evolução dos smart contracts os compromissos pactuados dentro de um metaverso baseado em blockchain possam ser automaticamente executáveis a partir de determinado evento, o que pode garantir uma remuneração prometida a determinada atividade virtual.
Por outro lado, podemos também fazer o exercício de imaginar os avatares como sujeitos de direito. Seria possível cometer algum crime contra a honra, como a difamação, de um avatar? E seria possível violar seu direito de imagem? Seus dados pessoais?
Tornando-se mais complexas as interações virtuais, pensar-se nos avatares como sujeitos de direitos em relação às regras de comunidade dos metaversos é algo factível e, provavelmente, necessário.
Portanto, vemos que as políticas de comunidade, termos de conduta e demais regramentos das plataformas tendem a tornar-se cada vez mais robustos e próximos a normas que regem a vida real, fazendo com que legisladores virtuais estabeleçam as condutas permitidas e as sanções pelo descumprimento dos mecanismos de bem-estar social no ambiente virtual.
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Guilherme Belmudes – Sócio Coordenador na área de Direito Digital. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.