O Estado de Delaware, nos Estados Unidos, foi o berço, ou ainda abriga, diversas empresas de tecnologia e grandes corporações, notadamente por possuir uma legislação corporativa flexível e amigável aos empreendedores (Delaware General Corporation Law) e um tribunal especializado em disputas corporativas (Court of Chancery).
Contudo, algumas empresas como SpaceX e Tesla trocaram Delaware pelo Texas, e empresas como a Meta Platforms e Dropbox ameaçam fazer o mesmo, em busca de ambientes regulatórios ainda mais favoráveis.
Diante disso, os legisladores de Delaware aprovaram, em 25 de março de 2025, uma revisão da Delaware General Corporation Law para conseguir manter o interesse de grandes corporações, a Senate Bill 21.
A proposta, que recebeu uma boa parcela de críticas, traz grande impacto para companhias com um acionista controlador, como a Meta Platforms, que é controlada por Mark Zuckerberg, facilitando, por exemplo, operações societárias e dificultando que os acionistas minoritários possam contestar tais atos no judiciário.
Para entender a mudança, é importante fazer uma análise da construção jurisprudencial do Court of Chancery. Em 2014, houve o julgamento do caso Kahn v. M&F Worldwide Corp. (“MFW”), que estabeleceu um precedente aplicável a hipóteses de operações societárias, entre uma empresa e seu acionista controlador, em que haja um benefício não rateado entre o acionista controlador e os minoritários.
Em tal julgamento, a aplicação da rigorosa metodologia de avaliação para apurar se a transação não foi justa não ocorreria se, cumulativamente, as negociações fossem conduzidas por um comitê integralmente independente e o negócio fosse aprovado pela maioria dos acionistas minoritários.
Em tal caso, ocorreu uma squeeze-out merger, isto é, uma operação societária onde os acionistas majoritários forçam os minoritários a vender suas ações, valendo-se da aplicação de cláusulas de drag along, bastante conhecidas no direito societário, de modo a conferir a integralidade das ações ao acionista controlador.
Apesar do entendimento de aplicação “MFW”, em que conclui-se pela legalidade da operação quando houver a participação de comitê integralmente independente e aprovação da maioria dos acionistas minoritários, ter nascido de um julgamento envolvendo uma operação de M&A, a metodologia de avaliação de legalidade das operações foi estendida para outras hipóteses envolvendo negócios promovidos pelos acionistas controladores.
Por sua vez, a proposta de revisão do Delaware General Corporation Law estabelece que em tais casos, o comitê não precisa ser integralmente independente, mas tão somente sua maioria, bem como se o comitê aprova a operação, não é necessária a aprovação da maioria dos acionistas minoritários.
Ainda, a proposta fortalece a presunção de independência dos membros do comitê, destacando que mesmo que sua indicação tenha sido promovida por uma das partes envolvidas, por exemplo, o controlador, ele manterá a presunção de independência, que somente será afastada através de evidencias cabais em sentido contrário.
O projeto também limita os registros internos a que os acionistas podem ter acesso para investigar operações promovidas pelos controladores, o que dificulta a origem de disputas judiciais.
Em que pese a notável diferença entre o Common Law e o Civil Law, acompanhar a evolução legislativa e jurisprudencial de Delaware é um exercício excelente para ampliação da visão de operações societárias em território nacional.
No Brasil, o artigo 117, § 1º, v), da Lei nº 6.474/76 (Lei das Sociedades por Ações) traz uma previsão semelhante à discussão que se passa em Delaware, por conta da aprovação da Senate Bill 21. Veja-se:
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
[…]
[…]
Por sua vez, o artigo 256, da mesma lei, prevê que a sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos de abuso de poder, elencados no mencionado artigo 117.
Nestes casos, o STJ já se manifestou no sentido de que, como o interesse é da companhia lesada, há a necessidade de convocação de assembleia para deliberar sobre o ajuizamento contra o acionista controlador. Se o resultado da assembleia for negativo, ou sendo positivo a ação não for proposta no prazo de três meses, poderá o acionista ajuizá-la.
Há, portanto, uma previsão legal para proteger os sócios minoritários de abusos de poder promovidos pelo acionista controlador. Por outro lado, não existem previsões expressas de situações em que a operação promovida pelo controlador será validada, como no caso de Delaware.
Dessa breve análise, percebe-se que a proposta de revisão legislativa de Delaware prevê hipóteses para proteger o acionista controlador, conferindo-lhe meios de resguardar-se contra insurgências dos acionistas minoritários e validar operações que lhe beneficiem, se atender aos requisitos previstos, como demonstração de que o comitê majoritariamente independente aprovou a operação.
A legislação brasileira não prevê hipóteses em tal nível de detalhamento, o que é, inclusive, inesperado para um modelo de Common Law, de modo que, aqui, há maior margem para que disputas judiciais sejam promovidas a partir de insurgências dos sócios minoritários.
De todo modo, a evolução regulatória e jurídica de Delaware, assim como dos demais Estados norte-americanos, serve de inspiração e fonte de comparação para o legislativo e juristas brasileiros, viabilizando um aprofundamento contínuo no desenvolvimento das normas jurídicas aplicáveis às operações societárias.
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