Este ensaio tem por finalidade analisar o Projeto Lei (PL) nº 145/2022 que trata a criação de um instituto jurídico bastante difundido no exterior mas que ainda padece de melhor compreensão no Direito Brasileiro, o trust, nesta análise nossa primeira preocupação consistiu em avaliar os conceitos previstos no PL. Porém, mesmo analisando cada um destes conceitos é sempre importante avaliar que o trust implica em confiança.

De acordo com o PL, o instituto jurídico de direito estrangeiro resultante da transferência de bens ou direitos com valor econômico feita por uma pessoa física ou jurídica, designada instituidor, a um proprietário formal, designado trustee, concomitantemente ao nascimento de um direito de propriedade ou titularidade autônomo dos beneficiários dos bens ou direitos transferidos.

O destaque inicial é sobre a figura do Instituidor que nada mais é do que a pessoa que cria o trust mediante transmissão de bens ou direitos a um trustee para a formação de patrimônio sob trust, indica beneficiários ou determina o propósito do trust, se assim desejar.

Aqui, é importante destacar que o PL deixa aberto o tipo de pessoa que pode ser considerado instituidor do trust, como o conceito traz apenas a expressão “pessoa”, concluo que o instituidor pode ser tanto uma pessoa física quanto jurídica, nacional ou estrangeira.

Entretanto, como o trust é um instituto de direito estrangeiro faz mais sentido atribuir ao instituidor a formatação de uma pessoa jurídica incorporadora sob as leis do país no qual o trust foi constituído.

O artigo 3º o PL confirma esta conclusão que extraímos da lei ao reconhecer que o “instrumento de constituição e pelos termos e condições contidos nele ou em instrumentos a ele auxiliares, os quais terão eficácia no Brasil, exceto se ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

Aqui também é importante destacar que apesar da criação de um projeto de lei voltado à regulação do trust, pelo fato de ser um instituto estrangeiro, aplicam-se também ao seu funcionamento os usos e costumes praticados nos país em que ele for constituído.

Na prática poderemos ter um sistema híbrido no qual a lei e os usos e costumes irão conviver, mas com um prevalência destes últimos do contrários teríamos uma “jabuticaba” que pode ser incompatível com a estrutura jurídica sobre a qual o trust se consolidou no exterior.

A dinâmica tributária prevista no projeto de lei, na avaliação que fizemos, foi baseada nos atos jurídicos realizados pelo instituidor, pelo trust, pelo trustee e pelo beneficiário efetivo ou potencial. De fato o Projeto de Lei prevê três tipos diferentes de impostos destas relações o ITCMD, o ITBI e o IR.

De acordo com o projeto de lei, a primeira relação que se cria ocorre entre o instituidor ou trustor e o trustee. A segunda será entre o trustee e o próprio trust, significa dizer que o instituidor (trustor) nomeará alguém (trustee) para a formação do trust.

O trustee pode, por sua vez, indicar como beneficiários do patrimônio terceiros ou ratificar que o beneficiário final será o próprio trust. Ele na realidade assume um encargo de gestão do patrimônio daí a possibilidade da lei conferir a ele uma autonomia de dispor, usar ou gozar dos bens que compõem o trust.

ITCMD: De acordo com a redação, o fato gerador do ITCMD, ocorre no momento em que um beneficiário potencial adquire direito incondicional e imediato sobre qualquer parcela de ativos sob o trust, tornando-se beneficiário efetivo. Esta previsão, ao nosso ver, conflita com a legislação que trata do contrato de doação.

A doação só se aperfeiçoa no momento em que o donatário aceitar o bem em doação, nesta forma, em tese o ITCMD só seria exigível se houve alguma doação aceita por parte do trustee.
Qualquer ato entre o trust e os beneficiários potencial ou efetivo, se equipara a uma estipulação em favor de terceiro.

Mesmo não havendo nenhum julgado no Brasil, por questões óbvias, o STJ já enfrentou situação parecida no julgamento dos Recursos Especiais nº 1.961.488 e nº 1.963.482, de 16 de novembro de 2021, que trataram da incidência do ITCMD sobre os valores aplicados em VGBL após a morte do contratante.

A Relatora Ministra Assusete Magalhães destacou em seu voto que a transmissão de numerário decorrente da morte do segurado é percebida pelos beneficiários automaticamente, não integra inventário e portanto, não estaria incluído no rol de bens tributáveis.

Como o PL prevê a não incidência do ITCMD entre o instituidor e o trustee, vejo que o ITCMD só poderia em tese ser exigido se este realizar algum ato de dissimular a ocorrência do fato gerador, conforme determina o artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) porém, e ainda assim, a prova de dissimulação caberá ao Estado.
ITBI

O PL estabelece as transferências para o trust de bens imóveis e respectivos direitos não estarão sujeitos à incidência do ITBI, contudo ele também estabelece condições para que esta não incidência de fato ocorra.

O ITBI, de acordo com a redação do PL, seria devido no caso de transmissão pelo trust de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis, ou direitos à sua aquisição ou em caso de revogação ou extinção total ou parcial do trust.

Ainda assim, as regras para o pagamento são bem complexas porque dependem muita da relação a qual se analisa, se é a relação entre instituidor e trustee, entre trustee e beneficiários.
Se os bens que compõem o trust forem entregues ao instituidor, na qualidade de beneficiário, e não tiverem sido previamente transferidos pelo instituidor ao trustee ou se estes mesmos bens tiverem sido adquiridos com resultados auferidos pelo trust após a indicação de terceiros na condição de beneficiário efetivo então o ITBI será devido.

IR: Caso ocorram transferências de bens e direitos do instituidor para o trustee, para a formação do patrimônio do trust, o PL autoriza que tais transferência poderão ser efetuadas a valor de mercado ou pelo valor constante na declaração de bens do instituidor.

Isso é importante, para definir se haverá ou não a incidência de ganho de capital por parte do instituidor e, portanto, se haverá IR a ser pago sobre este ganho de capital.

Aqui é importante avaliar que o trust, nos termos da lei, é uma entidade despersonalizada, sendo que na definição clássica ele é similar a uma pessoa ou corporação. Para entender a incidência do IR precisamos realizar uma distinção.

A primeira delas refere-se ao trust que contém ativos incluídos pelo instituidor durante a sua durante sua vida e a segunda pela qual o trust constitui apenas um contrato celebrado pelo instituidor sem financiamento.

É preciso também destacar que o trust é geralmente utilizado para manter os ativos de modo que eles estejam protegidos de credores ou outros que possam ter direito a eles após a morte do instituidor.

Além disso, os trusts costumam ser usados para manter os ativos protegidos de membros da família que, de outra forma, poderiam vendê-los ou dilapida-los.

Os ativos podem ser confiados a membros confiáveis da família – mesmo um parente com as melhores intenções pode enfrentar um processo judicial, divórcio ou outro infortúnio, colocando esses ativos em risco. É esta pessoa que é chamada de trustee. É esta a pessoa que mantém um relacionamento com os beneficiários.

À partir do momento em que o beneficiário passa a fruir de alguma parcela de ativos sob o trust, seja através de distribuições, resgates de capital originário ou extinção do trust ele passará a ter obrigações perante a Receita Federal.

À partir deste momento, ele deverá informar o direito sobre tal parcela do patrimônio do trust na sua declaração de bens correspondente ao ano-calendário em que ocorra essa aquisição.

De acordo com o PL, o acréscimo patrimonial resultante da aquisição da condição de beneficiário efetivo constituirá doação por este recebida, isenta de imposto de renda. Por outro lado, havendo o pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de valores em dinheiro pelo trust para o beneficiário residente no Brasil a situação muda um pouco.

O PL faz uma distinção entre os chamados resultados positivos do trust, se existirem e o resgate de capital originário do trust, reduzindo o valor de aquisição dos respectivos direitos constante na declaração de bens ou nos registros contábeis do beneficiário efetivo.

Os resultados positivos do trust serão tributados pelo Imposto sobre a Renda, já aqueles decorrentes do resgate de capital originário não.

Esta distinção faz sentido do ponto de vista tributário pois os resultados positivos, em tese, são considerados acréscimos patrimoniais e como já amplamente julgado pelos tribunais brasileiros passíveis de pagamento de IR.

Os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a beneficiários efetivos residentes no Brasil em decorrência de extinção do trust serão integralmente imputados a resgate de capital originário do trust e neste caso não haverá a incidência de IR.

Em caso de entrega de bens ou direitos como distribuição de resultados do trust, as regras também obedecem a mesma lógica, qual seja: aquilo que é considerado resultado positivo do trust e aquilo que é considerado capital originário.

Caberá ao trust cabendo ao trust indicar a natureza e o valor da transferência dos bens ou direitos no documento que formalizar a operação e manter suporte documental adequado.

Os bens ou direitos entregues ao (s) beneficiário (s) poderão ser avaliados pelo valor de aquisição ou de mercado, desde que não vedado pela lei de regência do trust.

A tributação segue a mesma lógica informada anteriormente, se houver ganho de capital decorrente da a diferença o maior entre o valor de mercado e o valor de aquisição dos bens ou direitos então haverá pagamento de IR.

Acaso o trust seja composto por bens no exterior, o PL prevê, o beneficiário efetivo residente no Brasil deverá em relação a equivalentes de caixa e outros ativos de alta liquidez, considerar como seu valor de aquisição o valor pelo qual houverem sido recebidos, e tributar a diferença positiva entre este e o valor de aquisição dos direitos correspondentes ao capital resgatado na forma de ganho de capital, em relação aos demais ativos, de menor liquidez, considerar como seu valor de aquisição o mesmo valor de aquisição dos direitos correspondentes ao capital resgatado.

Esse aspecto da lei é um tanto quanto questionável porque não leva em consideração a legislação de regência do país no qual o bem está localizado e as regras de direito internacional privado, com destaque para a lex fori.

Esta previsão contraria também a própria Lei de Introdução às Normas do Brasileiras ( LINDB):
Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

Estes seriam, portanto, os aspectos do PL que aqui analisamos.

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