A Resolução Normativa 545/2022, publicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), introduz um modelo regulatório que permite que as operadoras de planos de saúde estabeleçam um pagamento pré-determinado para seus prestadores de serviços por meio de pacotes de procedimentos. 

Esse modelo envolve a negociação de valores fixos para tratamentos e exames agrupados em pacotes especializados, com o objetivo de otimizar custos para operadoras e clientes, além de trazer maior previsibilidade financeira para o sistema de saúde suplementar. Contudo, a aplicação dessa norma requer cuidado, especialmente quanto aos impactos éticos e na relação médico-paciente.

A ANS, portanto, estabeleceu diretrizes claras para criação de  pacotes de atendimento, abrangendo serviços como consultas e exames específicos, realizados durante um único episódio de atendimento.

Um exemplo prático seria um pacote  oftalmológico, que inclui a consulta inicial, o mapeamento de retina e a tonometria por um valor fixo, facilitando o acesso ao plano e ao paciente. Contudo, a implementação desse modelo precisa ser feita com cautela, para garantir que a qualidade do atendimento médico não seja comprometida e que os direitos dos pacientes sejam respeitados.

Os Riscos de Não Respeitar a Resolução Normativa

A resolução da ANS não apenas regulamenta, mas também estabelece um importante limite ético e operacional para a implementação dos pacotes de procedimentos. Quando seguida corretamente, a norma proporciona uma base sólida para equilibrar o controle de custos das operadoras e a manutenção da qualidade do atendimento prestado. No entanto, o não cumprimento da resolução  pode gerar  riscos significativos para as operadoras, prestadores de serviços e até mesmo aos próprios pacientes.

  • Prejuízo à Autonomia Médica: A resolução da ANS destaca que, mesmo com o modelo de pacote, a autonomia do profissional médico deve ser preservada. Caso a operadora de saúde utilize o pacote como forma de limitar a liberdade do médico para decidir quais procedimentos são realmente necessários, a qualidade do atendimento pode ser comprometida e a relação de confiança entre médico e paciente, prejudicada. Isso contraria o Código de Ética Médica, que defende que o médico tem o direito de determinar, com base em critérios técnicos, os procedimentos necessários para o paciente.
  • Desvalorização dos Serviços Médicos: Uma remuneração inadequada pelo conjunto de procedimentos pode resultar em perda de qualidade no atendimento, especialmente se o valor do pacote não for suficiente para cobrir os custos reais dos exames e tratamentos realizados. A subvalorização dos serviços pode criar uma pressão para que os profissionais realizem um número maior de atendimentos em menos tempo, prejudicando o cuidado ao paciente e colocando em risco a eficácia do tratamento.
  • Risco de Judicialização: Pacientes que se sentirem prejudicados pela falta de cobertura de serviços ou pela percepção de que pagaram por procedimentos desnecessários podem recorrer ao Judiciário. Além disso, os prestadores de serviços, incluindo clínicas e hospitais, também podem buscar a justiça para garantir uma remuneração mais justa caso considerem os valores dos pacotes abusivos.
  • Satisfação dos Pacientes e Imagem das Operadoras: A experiência do paciente com o plano de saúde é influenciada pela qualidade do atendimento que ele recebe. A percepção de que exames ou procedimentos foram incluídos de forma desnecessária ou que foram realizados de forma incompleta devido ao baixo valor do pacote, pode prejudicar a imagem da operadora. Pacientes insatisfeitos com a experiência tendem a mudar de operadora e o sistema de saúde suplementar pode perder credibilidade no mercado.
 

Na prática, a 3ª Turma do STJ negou provimento ao recurso especial interposto pela Associação Sociedade Mineira de Oftalmologia e pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia, que contestavam o modelo de remuneração dos oftalmologistas estabelecido pela Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, as entidades alegaram que o modelo, que estabelece um valor fixo de R$125,00 para um pacote de procedimentos oftalmológicos (incluindo consulta, mapeamento de retina e tonometria), configuraria abuso, pois a remuneração por procedimento individual seria maior.

No entanto, o STJ decidiu que a ANS, ao permitir a remuneração por pacotes de procedimentos, oferece respaldo normativo para que as operadoras de saúde utilizem esse modelo, cabendo a elas definir valores de acordo com as normas da ANS. Nesse sentido, o Tribunal entendeu que não cabe ao Poder Judiciário interferir na forma de remuneração ou no valor definido pelas operadoras, desde que estas respeitem os limites éticos e regulamentares.

Assim, a decisão reconheceu a autonomia das operadoras, para estabelecer pacotes de procedimentos com valores pré-definidos, garantindo maior previsibilidade e eficiência nos custos assistenciais, em conformidade com a regulamentação da ANS.

A Resolução Normativa 545/2022 da ANS apresenta importantes vantagens para as operadoras de saúde ao permitir a negociação de pacotes de procedimentos com valores pré-estabelecidos. Uma das principais vantagens é o maior controle de custos, já que esse modelo permite às operadoras planejar e prever melhor suas despesas assistenciais. Com os pacotes, as operadoras conseguem reduzir a variabilidade nos gastos com procedimentos médicos e tornar o orçamento mais previsível, o que é fundamental para a sustentabilidade financeira em um setor com despesas crescentes.

A utilização de pacotes de procedimentos otimiza o processo de pagamento e negociação com prestadores de serviços. Esse modelo simplifica as tratativas ao evitar acordos detalhados para cada procedimento, reduzindo a burocracia e aumentando a eficiência administrativa. Com pacotes padronizados por especialidade, as operadoras economizam tempo e recursos, podendo focar na melhoria da rede de atendimento e na oferta de benefícios competitivos aos beneficiários.

É essencial que as operadoras assegurem a liberdade do médico em recomendar o melhor tratamento ao paciente. Caso contrário, podem enfrentar responsabilização judicial e danos significativos à sua reputação no mercado.

A adoção de pacotes de procedimentos promove transparência e clareza nos contratos com os beneficiários, pois os valores são previamente definidos de forma objetiva. Essa prática oferece mais segurança aos consumidores, fortalecendo a confiança na operadora. Além disso, a previsibilidade trazida pela regulamentação ajuda as operadoras a fidelizar clientes, melhorar a experiência do paciente e, simultaneamente, controlar custos enquanto preserva a qualidade do atendimento.

Para os médicos, o modelo de pacotes oferece a vantagem de simplificar a remuneração, mas também traz desafios. Os valores fixados podem ser insuficientes para cobrir os custos reais dos serviços, especialmente em especialidades que envolvem altos investimentos, como a oftalmologia. É crucial que os pacotes sejam compatíveis com as demandas financeiras dessas áreas.

Para que o modelo de pacotes seja sustentável e mantenha a qualidade, é imprescindível o comprometimento das operadoras e dos prestadores em seguir a regulamentação da ANS, com ética e respeito à autonomia profissional. O equilíbrio entre redução de custos e qualidade no atendimento depende de negociações claras e de uma remuneração justa que considere os custos reais de cada especialidade.

As operadoras devem adotar sistemas de feedback e monitoramento para avaliar a satisfação de pacientes e profissionais com o modelo de pacotes. Essas medidas ajudam a identificar e corrigir falhas precocemente, prevenindo problemas maiores e garantindo a sustentabilidade do sistema e a confiança de seus usuários.

A implementação da remuneração por pacotes de procedimentos, autorizada pela Resolução Normativa 545/2022 da ANS, é viável e promissora para o sistema de saúde suplementar, desde que conduzida com ética e equilíbrio.

O sucesso do modelo depende de uma abordagem que preserve a autonomia médica, garanta remuneração justa e mantenha a qualidade do atendimento ao paciente. A negligência desses critérios pode resultar em perda de confiança, judicialização e desvalorização dos profissionais. Por isso, é fundamental contar com assessoria jurídica especializada em saúde suplementar e médica.

ㅤㅤAdvogada

E-mail: j.moura@alvesoliveira.adv